No último episódio, vimos como a doença de William Hartnell causou uma mudança radical em “Doctor Who” – para salvar a série, introduziu-se o conceito da regeneração, permitindo que um novo ator assumisse o papel principal.
Patrick Troughton não poderia ser mais diferente de seu antecessor. Ao invés do ator ranzinza que topara participar do programa por causa dos netos, agora estava no comando da TARDIS um homem reservado, que não gostava, por exemplo, de dar entrevistas (ele dizia que falar sobre si mesmo estragava a magia da coisa). Ao mesmo tempo, ele tinha uma personalidade amável, e que gostava de pregar peças nos amigos e na produção. Após anos de confusão com Hartnell e seu temperamento difícil, foi um bálsamo ter alguém simpático para trabalhar…
O Segundo Doutor, por sugestão de Sydney Newman (o “pai” do personagem), foi inspirado no Vagabundo de Charles Chaplin – roupas maiores do que ele e um jeito meio atrapalhado que lhe rendeu o apelido de “Cosmic Hobo” (ou andarilho cósmico, numa tradução aproximada). Com sua flauta doce e sua calma para se impor diante dos inimigos, ele deu um novo fôlego para a série. A ideia de Troughton era não imitar os trejeitos de Hartnell, e sim dar uma nova personalidade ao homem de Gallifrey – ditando, assim,o comportamento para os Doutores seguintes.
Novo Doutor implica novos companions, e pela primeira vez eles não vêm do tempo corrente (1966, no caso), mas do passado e também do futuro terrestre. O companion mais famoso dessa era é o escocês Jamie McCrimmon, interpretado por Frazier Hines, vindo diretamente da batalha de Culloden, em 1746. Ele tinha feito uma participação no episódio The Highlanders e, de tão destacado, acabou se tornando um dos personagens mais famosos da série (mais ou menos como aconteceria, décadas depois, com John Barrowman e seu Capitão Jack).
Patrick Troughton e Frazier Hines em cena (provavelmente congelando em seu kilt…!)
Suas reações às máquinas e a qualquer coisa minimamente moderna são as marcas do trabalho do ator, cuja amizade com Troughton seguiu por décadas (Troughton faleceu em 1987, dois dias depois de seu aniversário de 67 anos). Outra companheira interessante, fugindo do estereótipo da mocinha em apuros, era Zoe (Wendy Padbury), uma matemática do século XXI que lidava muito bem com computadores. Jamie, produto de sua época, era um cavalheiro com Zoe – mas às vezes ela se exasperava quando ele achava que ela não era capaz de fazer algo… Para 1966, tremendo avanço do feminismo!
Uma trivia é que, na série moderna, o Décimo Doutor usa o codinome “Dr. Jamie McCrimmon” no episódio “Tooth and Claw”, com direito a sotaque escocês e tudo (na verdade, David Tennant usou sua voz “normal”, ao invés da pronúncia limpa que ele utiliza para interpretar o Doutor).
É na época de Troughton que surge um dos personagens mais queridos entre os fãs da série clássica – o Brigadeiro Alistair Gordon Lethbridge-Stewart (na época do Segundo Doutor ele era apenas Coronel), interpretado por Nicholas Courtney. Um militar duro na queda e pouco impressionável que trabalhava numa divisão da ONU para assunto extraterrestres, o “Briggie” (como alguns fãs o chamam) era o maior aliado do Doutor na Terra, e trabalhou com cinco encarnações do homem de Gallifrey (Troughton, Pertwee, Tom Baker, Davidson e McCoy). É também com o Segundo Doutor que surge a arma mais famosa da série, o Sonic Screwdriver – embora o Doutor, nessa encarnação, por vezes não achasse o dito cujo dentro dos bolsos do terno!…
O recém-promovido Brigadeiro Lethbridge-Stewart ao lado de Jamie e o Doutor, no episódio “The Invasion” (1968)
Troughton tinha apenas um medo: ficar marcado pelo papel. Acostumado que estava a participar de vários programas e peças, permanecer parado num só cenário por muito tempo era cansativo. Bem, cansativa mesma era a jornada de trabalho de gravações. Como veremos no próximo episódio, foi um milagre que ninguém tenha morrido de estafa…!