por Anna Hartnell
Vimos no episódio passado que “Doctor Who” foi ao ar no pior momento possível (depois da morte do presidente Kennedy), desacreditado pelos diretores da BBC, com um ator que era conhecido por interpretar durões. E ainda por cima com orçamento curto – o que explica, por exemplo, porque a TARDIS “travou” no formato de uma cabine policial (a desculpa de que o circuito de camuflagem quebrou cobria o fato de que não havia dinheiro para fazer uma nova nave a cada episódio).
É preciso dizer que série não chamou a atenção logo de cara – em boa medida porque os primeiros episódios, em que o Doutor levava seus companions para a pré-história, eram mesmos chatos de dar dó, mesmo para 1963. O que salvava era a boa mistura da ranhetice do Doutor (que, dizem, era reflexo do igualmente ranheta William Hartnell) com a esperteza de Susan, a neta do Doutor, interpretada por Carole Ann Ford. E, após uma estreia mais ou menos, entram em cena os eternos inimigos do Doutor: os Daleks.
Criados pelo autor Terry Nation (que patenteou a ideia) e pelo designer Raymond Cusick, os Dalek eram aliens como nunca tinham sido vistos na televisão até então. Sem nenhum sentimento ou formato humano, assassinos sem piedade e com voz de lata, eles chamaram a atenção do público e fizeram com que DW entrasse na ordem do dia finalmente! Todo mundo tinha medo dos robôs, dando início à tradição de assistir a série “atrás do sofá” (para, teoricamente, se esconder de terror), como dizem os ingleses.
Doutor, Susan e os primeiros Daleks, em gravação de 1964
Quase não foi assim, porém. Donald Wilson, supervisor da produtora Verity Lambert, não queria que os Daleks aparecessem – ele chegou a vetar o roteiro de Terry Nation em que eles apareciam pela primeira vez. Verity usou a desculpa de que não tinham outra coisa pronta para substituir o material, e o episódio (em sete partes) foi para o ar em fevereiro de 1964. Vendo o sucesso que os saleiros gigantes fizeram, Wilson teve que dar o braço a torcer e disse que não ia mais interferir no trabalho de Verity.
A partir daí, a série virou um grande sucesso. Junto com os Beatles e os Rolling Stones, “DW” virou um símbolo da onda de novidades que estava varrendo a Grã-Bretanha. Miniaturas dos Daleks e da TARDIS viram brinquedo, o Doutor ganha história em quadrinhos, a audiência só aumenta. Tudo muito bom, muito bem, a série ganha sobrevida em 1964-1965 e 1965-1966, com novos companions e novos monstros – e o velho orçamento ruim de sempre, o que obrigava autores e produção a se virar nos trinta para fazer tudo funcionar. A BBC só tinha três Daleks e cinco roupas de Cyberman (outro vilão clássico), e tinha que fazer milagre para parecer que havia um exército deles em cena!
Em 1966, dois problemas começam a atrapalhar a série. O primeiro: Verity Lambert sai da produção. O novo produtor, John Wiles, não se dá muito bem com William Hartnell, agora um herói para todas as crianças que assistem a série, mas que continua sendo um ranzinza incorrigível nos bastidores.
O segundo problema é mais grave: Hartnell começa a ter problemas para decorar os roteiros. Parece confuso em cena, e cada vez mais cansado. São as primeiras manifestações de uma arterioesclerose, doença que viria a matá-lo em 1975.
Hartnell e os produtores acabam concordando que não dá para seguir desse jeito. Mas como é que se muda o ator principal de uma série tão bem sucedida? Acabar com o programa, a essa altura, ninguém quer. Como resolver o problema?
Bem, o Doutor não é um alien? Então, por que não fazê-lo literalmente mudar de corpo? É uma atitude radical, mas DW era radical o suficiente – era melhor do que colocar um ator parecido com Hartnell em cena, fingindo que nada mudou! Decide-se então criar o mito da regeneração, em quem um Lorde do Tempo pode mudar de corpo quando está para morrer (na época, disseram que os Time Lords tinham 13 vidas para gastar – de novo, ninguém pensou que a série iria durar tanto tempo e que eles chegariam na incrível marca de 11 Doutores).
Decisão tomada, resta sabem quem seria o novo Doutor. Hartnell tem um nome em mente: “Só tem um homem na Inglaterra que pode assumir esse papel, e ele é Patrick Troughton”. Ator com sólida formação em teatro e várias passagens em séries de TV e rádio, ex-capitão da Marinha durante a Segunda Guerra Mundial, Patrick tem 46 anos quando assume o papel.
No episódio “The Tenth Planet”, exibido em 29 de outubro de 1966, acontece a regeneração – e uma nova era se inicia. O Primeiro Doutor é o único que morre de velhice em cena, tendo gasto seu corpo em várias aventuras. Todos os outros, como veremos, encontram seu fim de maneira mais… drástica, digamos. Isso, porém, é assunto para um próximo post!
A Primeira Regeneração do Doutor